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Causou polêmica entre empresários e empreendedores do país a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira (08), que diz que as empresas devem pagar retroativamente a Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) desde 2007.
Mesmo que a companhia tenha tido decisão transitada em julgado (quando não há mais como recorrer e modificar o julgamento) favorável ao não pagamento da taxa, a medida do Judiciário agora diz que as sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas. Na prática, isso significa que ter ganhado em todas as instâncias no passado pode não significar mais nada.
“Empresas de diferentes portes – grandes, médias, pequenas – tinham, há muitos anos, decisões transitadas em julgado, declarando a não obrigatoriedade da contribuição. A partir de agora, não há segurança sobre a isenção do tributo, mesmo com decisão favorável”, explica Enzo Megozzi, sócio da área tributária do Farroco Abreu Advogados, em entrevista exclusiva ao Empreendabilidade.
Para o advogado, que lembrou que grandes empresas já divulgaram Fatos Relevantes ao mercado investidor prevendo prejuízos – o Pão de Açúcar, por exemplo, revisitou a questão e previu um impacto de R$ 290 milhões no caixa com a medida – a decisão materializa o que se chama de “insegurança jurídica” no Brasil e afetará também os pequenos empreendedores.
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Confira abaixo a conversa com Enzo Megozzi na íntegra:
1. O que exatamente foi a decisão do STF? E por que está causando tanta polêmica no mercado?
Enzo Megozzi: Basicamente, o Supremo finalizou um julgamento em que se discutiu a possibilidade da quebra automática da chamada ‘coisa julgada’, em matéria tributária. O entendimento do STF é de que é possível que uma decisão posterior do próprio Supremo Tribunal Federal, que, com efeitos gerais, mude um entendimento anterior dele mesmo, possa atingir as decisões que tenham ações transitadas em julgado, que deveriam já estar decididas.
Nessa decisão especificamente, se discutia um caso da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (a CSLL), que é um tributo criado na Constituição Federal de 1988 e que incide sobre o lucro das empresas. É um tributo até parecido com o IR, destinado à seguridade social. Vários contribuintes, de diferentes portes, empresas grandes, médias, tinham, há muitos anos, decisões transitadas em julgado, dizendo que eles não tinham obrigatoriedade de pagar essa contribuição.
No ano de 2007, o STF decidiu um caso específico, com efeitos gerais, ou seja, posteriormente a essas decisões individuais daqueles contribuintes, dizendo que a CSLL era constitucional. Daí, vários contribuintes foram ao judiciário alegando que essa decisão do STF de 2007 não poderia causar cobranças da União, pois essas empresas tinham trânsito em julgado favorável, ou seja, não cabia mais recursos, proferidas pelo poder judiciário, dizendo que o tributo era indevido.
Agora, o STF mudou essa decisão, e decidiu sobre a cobrança retroativa.
2. Essa decisão já impactou as grandes empresas? Como isso impacta as menores? Qual deve ser a preocupação do empreendedor?
E.M.: Em relação às grandes empresas que estiveram envolvidas nesse julgamento anterior, [a decisão] teve efeito em várias empresas de capital aberto, que devem satisfação a investidores. O principal ponto é a questão da insegurança jurídica, pois agora terão que recolher esse tributo retroativo. Isso tem impacto em balanço, necessidade de reconhecer esses valores em resultado, e provavelmente deve impactar investimentos e preço de ações.
Para as empresas menores, o principal alerta que fica é: o STF ganha cada vez mais protagonismo e isso faz com que as empresas tenham que acompanhar os movimentos do STF com muito mais atenção, por qualquer mudança de entendimento do Supremo vai fazer com que as empresas tenham que revisitar seus procedimentos.
Isso já aconteceu algumas vezes. Casos de CSLL, IPI, importação… Vários casos em que o STF mudou o entendimento, o que é ruim, porque a estabilidade de jurisprudência é um dos pilares para o Estado fornecer segurança jurídica para os indivíduos. Foi uma decisão que assustou todo mundo, não se esperava que o Supremo determinasse a cobrança retroativa, com multa. Imagina um empresário que se planejou nos últimos cinco anos, desconsiderando a CSLL. Agora, não só ele vai ter que começar a pagar para o futuro (e tudo bem), mas, também para o passado.
O Supremo está reabrindo questões do passado em uma mudança do entendimento dele em um momento posterior. A decisão é realmente bastante preocupante.
3. O quanto a insegurança jurídica e cobranças retroativas representam para as empresas neste momento?
E.M.: A gente volta para o problema que é a sinalização que o Supremo dá. Já conversei com muitos clientes preocupados com essa situação e a pergunta que quase todo mundo faz é: ‘e o meu caso que está transitado em julgado a favor?’ e a gente tenta tranquilizar o cliente, explicar que o caso está preservado.
Mas, isso é para se ter dimensão do que a decisão representa em termos de insegurança. A gente está em um momento delicado institucionalmente para o país. A gente luta por segurança jurídica, pois sabemos o impacto que isso tem na realização de negócios no Brasil.
Tem um ditado que diz que, no Brasil, até o passado é incerto. Essa decisão materializa isso. Essa é a pergunta que todas as empresas estão fazendo.
4. Existe um dado que aponta que 65% do faturamento de pequenas empresas é destinado ao pagamento de tributos no Brasil. Com uma carga tributária tão alta e um sistema complexo, com mais de 5.000 normas e que podemos considerar que são voláteis, como se empreende em um sistema tributário como este?
E.M.: Quando se fala em ambiente de negócios no Brasil, a gente vê que o sistema tributário é uma loucura. A gente milita por um sistema mais simples e eficaz. Precisa haver uma mudança na legislação, sobretudo no que se refere à diminuição de obrigações acessórias.
Não há só a necessidade de se pagar impostos, mas o tempo e o dinheiro que se gasta com simplesmente para monitorar a legislação e recolher o tributo adequadamente é uma coisa que não tem paralelo em nenhum lugar do mundo.
5. Neste momento, a Reforma Tributária surge como protagonista no Congresso. Qual é a expectativa para o andamento dessa pauta?
E.M.: Desde que eu era estagiário, isso na década de 90, que se fala em Reforma Tributária. Até hoje não saiu. Existe uma expectativa agora que haja essa Reforma, mas esse é outro tema que as empresas têm de ficar muito atentas.
A recomendação que a gente tem dado é que as empresas se mobilizem, a partir das associações, para que se envolvam nesse debate sobre a Reforma Tributária, que tem o objetivo de simplificar o sistema, mas é necessário que as empresas tenham muito cuidado, pois existem muitos obstáculos neste caminho, da própria legislação que está sendo proposta.
Ninguém está falando que não é para pagar impostos, pelo contrário. Mas, hoje, da forma que é, é uma colcha de retalhos.
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