Decisão considerou que lei não limitou benefício ao resultado direto de atividades relacionadas a eventos
O juiz Marcelo Barbi Gonçalves, 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, reconheceu o direito de uma locadora de aparelhos de refrigeração e eletrônicos ao benefício fiscal do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A decisão de mérito, proferida em 15 de fevereiro, aprofunda o debate sobre o escopo do incentivo.
O magistrado considerou ilegal a restrição criada pela Instrução Normativa 2.114/2022, da Receita Federal, que limitou a concessão do benefício a entidades cujos resultados estão diretamente vinculados a eventos e hotelaria. Segundo Gonçalves, não cabe ao Fisco fazer essa distinção.
A Lei 14.148/2021, que instituiu o Perse, prevê medidas de amparo a alguns dos setores mais castigados pela pandemia de Covid-19. Entre elas, o texto estabeleceu a redução a zero, pelo prazo de 60 meses, das alíquotas de IRPJ, CSLL, Contribuição PIS/Pasep e Cofins.
A previsão dos setores a serem contemplados ficou a cargo do Ministério da Economia, que a trouxe na Portaria 7.163/2021. Um rol de atividades econômicas foi enquadrado, incluindo o “aluguel de móveis, utensílios e aparelhos de uso doméstico e pessoal; instrumentos musicais”.
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Mas, no fim do ano passado, a Receita tentou limitar esse número via ato normativo, com a Portaria 11.266. Além de restringir o benefício fiscal a resultados diretamente ligados a eventos, hotelaria, turismo e cinema, ela definiu que ele não se aplicaria a receitas financeiras ou receitas e resultados não operacionais.
A norma atingiu uma empresa que trabalha na locação de aparelhos de refrigeração e eletrônicos para os setores de eventos e hotelaria, que entrou com um mandado de segurança na Justiça para reaver os valores recolhidos.
Para o juiz Marcelo Barbi Gonçalves, ficou patente a violação à lei, “bem como a usurpação de ato da competência do Ministro da Economia”.
“Se o intuito da lei era mitigar os efeitos devastadores da Covid-19 para as empresas atuantes direta ou indiretamente no setor de eventos, não caberia ao secretário especial da Receita Federal fazer tal restrição, senão observar a listagem feita pelo Ministro da Economia por delegação da lei.”
No mesmo sentido, o magistrado considerou que a lei estabeleceu a redução das alíquotas sobre o resultado das entidades do setor de eventos, conforme ato do Ministro da Economia, sem restringir o benefício ao “resultado direto” das atividades relacionadas ao segmento, como tentou fazer a Receita.
De acordo com Thiago de Mattos, sócio do Bichara Advogados, escritório que atuou no caso, a decisão é relevante porque contesta a “narrativa” da Receita Federal acerca do Perse.
“A lei começou com o setor de eventos, mas isso foi só o embrião. Ainda no trâmite legislativo, já se verificou que o setor de eventos não estava sozinho. Hotel não é de eventos. Cinema não é eventos, nem turismo. Criou-se uma narrativa da Receita Federal de que essa lei seria para eventos e serviços turísticos. Não é verdade. Ela começou assim, mas durante o trâmite legislativo isso mudou e percebeu-se que outras atividades foram tanto ou até mais impactadas pelas medidas de combate à pandemia.”
O advogado também ressaltou o fato de ser uma decisão de mérito. “É uma sentença. Não estamos falando de uma liminar que pode ser eventualmente derrubada a qualquer momento. Estamos falando propriamente de uma decisão de mérito, uma decisão realmente muito boa.”
Liminar inclui Abrafesta entre os beneficiários
No 18 de janeiro 2023 a Abrafesta (Associação Brasileira de Eventos) entrou na justiça com um pedido de medida liminar na ação de mandado de segurança coletivo que impetrou com o objetivo de revogar as mudanças promovidas pelo Ministério da Economia no PERSE em defesa de seus associados e dos profissionais do mercado de eventos.
A Abrafesta foi a primeira entidade a judicializar a questão da redução pela metade do número de atividades empresariais beneficiadas pelo PERSE. A Abrafesta entrou com a ação em prol de setores como buffet e tradução, que necessitam da dos benefícios fiscais previstos no PERSE para compensar os efeitos da pandemia.
A Associação Nacional de Restaurantes, entre outras, também já se posicionaram sobre a Portaria.
Na última sexta-feira (03) a liminar solicitada pela entidade no mandado de segurança coletivo foi deferida pela Desembargadora Federal Mônica Nobre, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. De acordo a Abrafesta, a decisão passa a beneficiar somente os associados da entidade, já que por enquanto foi a única a ajuizar processo para revogar mudanças no PERSE.
“É um assunto técnico e complicado. O setor de eventos sofreu demais, e ainda sofre, com os efeitos da pandemia. Mas se conseguindo manter essa liminar de pé, podemos ajudar essas empresas a se reconstruirem”, revela Ricardo Dias, presidente da Abrafesta.
Entenda mais sobre o PERSE
Em resposta aos efeitos da pandemia na indústria de eventos, o Governo Federal criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) em maio de 2021. O programa, estabelecido pela Lei 14.148/21, tem como objetivo ajudar o setor de eventos a se recuperar ao oferecer isenção de impostos como IRPJ, CSLL, PIS e COFINS por 60 meses.
No entanto, em 29 de dezembro de 2022, o Ministério da Economia emitiu uma portaria que restringiu os códigos CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) de várias atividades econômicas que estavam anteriormente incluídas na Lei nº 14.148. Isso afetou muitas empresas que fazem parte do hub de 52 serviços que compõem o segmento de eventos de cultura e entretenimento, que foi duramente atingido pela pandemia.
Algumas das atividades econômicas impactadas pela Portaria Nº 11.266, publicada no Diário Oficial da União em 2 de janeiro, incluem serviços de alimentação para eventos e recepções, segurança privada e estabelecimentos especializados em servir bebidas com entretenimento. Essa decisão representa um obstáculo para a recuperação desses setores e pode tem gerado impacto negativo na indústria de eventos em geral.
Analisando o cenário atual do setor, Ricardo Dias revela que muito profissionais deixaram o mercado, principalmente os setores que foram desfavorecidos pela retirada do PERSE.
“A situação é bem preocupante, mais de 30% dos profissionais que trabalhavam na área de eventos migraram para outras profissões e muitos deles são freelances e não tem diretos garantidos pela lei”.
*Com informações dos Portais JOTA e Eventos