Conforme advogados consultados pelo jornal digital, contribuintes esperavam condições mais favoráveis para as negociações
Em linha com a cobertura do Empreendabilidade sobre os programas e medidas do novo governo, que não vêm dando bons sinais para as empresas, o JOTA publicou hoje uma notícia com detalhes sobre a percepção negativa de tributaristas e especialistas quanto às iniciativas já divulgadas pela equipe econômica.
Um dos programas criticados é o “Litígio Zero”, anunciado na última semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que não empolgou as empresas, segundo tributaristas. Conforme advogados consultados pelo JOTA, os contribuintes esperavam condições mais favoráveis para as negociações.
As condições do programa foram detalhadas pela Portaria PGFN/RFB 1/2023. O normativo estabelece que a nova transação tributária, que mira os débitos em discussão na esfera administrativa, ficará aberta no período entre 1º de fevereiro e 31 de março.
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O jornal apurou que uma das críticas de tributaristas é que, no caso das grandes empresas, os descontos continuam restritos àquelas que têm débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, e que o número de parcelas possível é bastante inferior ao das modalidades de transação individual e transação individual simplificada, previstas na Portaria 247/2022, da Receita Federal, que também abrangem o contencioso administrativo.
Enquanto no Litígio Zero o parcelamento máximo é de até 12 vezes — entrada dividida em quatro vezes e o resto em até oito parcelas — a transação individual e a transação individual simplificada, nas quais o contribuinte pode propor negociação à Receita, permitem até 120 parcelas.
Segundo os especialistas, a nova transação é atraente principalmente para as pessoas físicas e empresas de pequeno porte com débitos de pequeno valor, ou seja, até 60 salários mínimos. Para esse recorte, é possível desconto de até 50% sobre o principal da dívida independente da classificação fiscal da dívida, ou seja, não é preciso que sejam débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação.
Contudo, o artigo 22 da Portaria 1/2023 prevê que a norma não se aplica às empresas optantes pelo Simples Nacional, regime tributário simplificado adotado pela maioria das pequenas empresas – conforme o Empreendabilidade vem apontando.
Procurada pelo JOTA, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou que a portaria restringe negociação de débitos relacionados ao Simples, “mas isso não não significa que contribuintes optantes do Simples não possam negociar outros débitos que, eventualmente, tenham e enquadrem-se nas normas do programa.”
A vantagem da nova transação apontada por especialistas é que ela abrange débitos cujos valores não estão incluídos na transação individual simplificada (R$ 1 milhão e R$ 10 milhões) e transação individual normal (débitos acima de R$ 10 milhões).
“A vantagem maior que eu vejo é para quem tem débito até 60 salários mínimos, que são os débitos de menor valor, e entre 60 salários mínimos e R$ 1 milhão, que excedem o limite dos débitos de menor valor na nova transação, mas não se encaixam nos valores da transação individual normal nem da simplificada. No entanto, podem se encaixar nessa transação”, afirma Hugo Reis Dias, sócio do Dcom Advogados, entrevistado pelo site político.
Condições e Recuperação
Como explica o JOTA, ao detalhar o Litígio Zero, a Portaria 1/2023 confirma que os maiores benefícios são concedidos ao contencioso de pequeno valor — envolvendo até 60 salários mínimos — de pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte. Esses contribuintes devem pagar uma entrada de 4% do débito em até quatro prestações sucessivas. O resto do valor pode ser pago em até dois meses, com redução de 50% nos juros, multas e no montante principal, ou em até oito meses, com redução de 40%.
Já para os débitos pendentes de julgamento na esfera administrativa os maiores benefícios são concedidos aos créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, que poderão ser negociados com redução de até 100% do valor dos juros e das multas, observado o limite de até 65% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação – negociação que facilita a recuperação de empreendedores em dívida, conforme o Empreendabilidade já apurou e vem colocando em discussão.
No mínimo 30% do saldo devedor deve ser pago em dinheiro em até nove prestações mensais e sucessivas, e o restante pode ser abatido com prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL apurados até 31 de dezembro de 2021.
Para os débitos classificados com alta ou média perspectiva de recuperação não há redução nos juros e multas. Nestes casos, no mínimo 48% do valor consolidado deve ser pago em até nove prestações mensais, e o restante pode ser quitado com a utilização de prejuízo fiscal e base negativa apurados até 31 de dezembro de 2021.
Para os demais débitos em discussão na esfera administrativa a entrada é de 4%, a ser paga em quatro parcelas mensais, e não há a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL. Poderá haver redução de até 100% do valor dos juros e das multas, observado o limite de até 65% sobre o valor total de cada crédito objeto da negociação se o pagamento for feito em até duas vezes e 50% do valor para pagamento em até oito parcelas, explica o jornal.
A portaria prevê ainda que, no caso de transações que envolvam pessoas físicas, microempresas, empresas de pequeno porte, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil ou instituições de ensino, os limites máximos de redução são de 70% para pagamento em até duas vezes e 55% em até oito parcelas. Diferentemente do contencioso de pequeno valor, porém, o percentual de desconto observará a capacidade de pagamento do contribuinte.
Liquidez
Outros advogados entrevistados pelo JOTA avaliam que a nova transação não empolgou por restringir os descontos aos débitos de difícil recuperação no caso de débitos de maior valor.
“Foi um pouco frustrante pois [a transação] continua sendo direcionada para uma parcela das empresas, [exigindo] que [o débito] tenha um grau de recuperabilidade baixo, que a empresa esteja em recuperação judicial ou que tenha a capacidade de pagamento reduzida. As empresas que são saudáveis financeiramente e possuem grande estoque no Carf continuam não tendo esse benefício”, afirmou ao JOTA Mariana Rodrigues, da área tributária do Finocchio & Ustra Advogados.
Já Caio Cesar Nader Quintella, sócio da área tributária de Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados e ex-conselheiro do Carf, a adesão ao programa deve acontecer principalmente no caso das teses com baixas possibilidades de êxito no Carf e situação desfavorável no Judiciário. “Se a sua chance de êxito na ação é baixa, se a tese não está dentro de um cenário de maioria no Carf, e tem situação desfavorável no Judiciário, existe uma tendência de adesão”, disse.
Para Quintella, a medida do fim do desempate pró-contribuinte, com retorno do voto de qualidade como única regra de desempate, compõe estratégia de arrecadação. “A maior diferença é que esse ‘novo Refis’ vem acompanhado da volta do voto de qualidade. É uma indução à adesão, no sentido ‘pague agora com desconto ou se submeta a julgamento que o empate não mais te favorece’”, afirmou.
O advogado Hugo Reis Dias prevê uma adesão maior à transação de débitos de menor valor. “A gente acha possível que tenha uma adesão considerável [de pessoas físicas e empresas de pequeno porte], pois os descontos independem da capacidade de pagamento e da classificação da dívida. Mas um ponto que pode prejudicar um pouco é o fato de que, pela portaria, débitos do Simples não podem ser negociados”, afirma.
No caso dos débitos de maior valor, dada a impossibilidade de desconto para empresas cujos débitos não são classificados como de difícil recuperação ou irrecuperáveis, ele acredita que a adesão será menor. “[A adesão] vai demandar das empresas uma retirada de caixa considerável. Uma empresa com dívida elevada teria que dar entrada de 4% e o restante em, no máximo, oito parcelas. As parcelas poderiam ficar muito gravosas”.
Prejuízo fiscal
O jornal ainda destacou que, para os advogados, a Portaria 1/2023 traz uma condição mais restritiva para uso do prejuízo fiscal e base negativa da CSLL por empresas com débito de alta e média recuperabilidade, em relação à transação do contencioso administrativo proposta pela Receita Federal na Portaria 247/2022.
Enquanto as modalidades previstas na Portaria 247 permitem abater até 70% do saldo remanescente com os créditos, sem fazer diferenciação com relação ao grau de recuperabilidade da dívida, a nova transação permite abater até 70% com prejuízo fiscal e saldo negativo em casos de débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação e até 52% no caso de débitos de alta ou média recuperabilidade.
Além disso, a nova portaria diz expressamente que o prejuízo fiscal e saldo negativo da CSLL precisam ter sido apurados até 31 de dezembro de 2021, o que não estava previsto na norma anterior.
Ana Cláudia Utumi, da Utumi Advogados, afirma que o patamar dos descontos previstos não é “impressionante” e o prazo de pagamento oferecido pode ser superado por uma negociação nas modalidades de transação anteriores.
Para a advogada, no entanto, a possibilidade do uso do prejuízo fiscal é positiva, ainda que diferenciando os patamares conforme o grau de recuperabilidade do débito. “Toda vez que abre possibilidade pagar dívida com uso do prejuízo fiscal é positivo, ainda mais porque neste período pós-pandemia várias empresas têm prejuízo fiscal acumulado”, disse.
Na visão do advogado Paulo Vaz, sócio do VBSO Advogados, a nova transação restringe os créditos que podem vir a fazer parte da negociação a um rol pequeno de situações.
“Se [a empresa] tiver capacidade de pagamento, o governo não vai querer dar muito desconto. Quem vai aderir? A empresa que estiver quebrada”, comenta. Para o tributarista, a empresa saudável financeiramente que vinha vencendo discussões no Carf pelo desempate pró-contribuinte – como, por exemplo, em casos envolvendo ágio – pode preferir judicializar a discussão diante da possibilidade de vencer na esfera judicial.
A matéria foi produzida pelos jornalistas BÁRBARA MENGARDO – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo. Antes de trabalhar no JOTA atuou no jornal Valor Econômico, tanto em São Paulo quanto em Brasília. MARIANA BRANCO – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Jornalista formada pela Universidade de Brasília (UnB). Foi repórter do Correio Braziliense e da Agência Brasil, vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na área de economia. E GABRIEL SHINOHARA – Repórter na cobertura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em Brasília. Cobriu Banco Central no Jornal O Globo e passou pelas redações da Bloomberg e do Correio Braziliense. Formado pela Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: JOTA – link para a matéria original https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/novo-programa-de-transacao-nao-empolga-empresas-18012023