Empreender é uma doença? Quem diria, o parasita do empreendedorismo existe

Atire a primeira pedra quem nunca ouviu algo como “você é louco de largar o trabalho para arriscar nisso” ou “você é doente de pegar esse dinheiro para investir em algo que nem sabe se vai dar certo”.

 

A metáfora mais ouvida pelos empreendedores, de relacionar o ato de empreender a uma doença (e algumas vezes de alto risco), é comum, principalmente em contextos onde a percepção de segurança financeira está relacionada a trabalhar para empresas consolidadas ou para órgãos do estado, ou garantir o salário do mês independentemente do sofrimento.

Mas, parece que essa figura de linguagem está com os dias contados. Para o professor Daniel Lerner, da IE Business School de Madrid, uma das mais renomadas escolas de negócios do mundo, existe, sim, um parasita que provoca o empreendedorismo.

 

Na última edição da Harvard Business Review (julho – agosto / 2022), o editor Eben Harrel traz, no artigo “A Common Parasite Can Make People More Entrepreneurial” (Um parasita comum pode tornar as pessoas mais empreendedoras, na tradução livre para o português), uma entrevista com o professor Lerner, que explica que pessoas infectadas com o parasita Toxoplasma gondii são mais inclinadas a fundar negócios, e que seus negócios dão mais certo que os de pessoas “saudáveis”.

Os dados são de um estudo realizado junto a colegas dinamarqueses onde foram examinados históricos médicos e profissionais de mais de 74 mil mulheres dinamarquesas, onde as infectadas eram, em média, 29% mais propensas do que outras a terem fundado uma startup, 27% mais propensas a fundar vários negócios e duas vezes mais propensas a fundar seus negócios sozinhas. Além disso, os empreendimentos foram mais bem-sucedidos, em média, do que os lançados pelas contrapartes não infectadas.

O professor Lerner explica que a modificação de comportamento causada por parasitas é um fenômeno comprovado. Quando o Toxoplasma gondii infecta roedores, ele entra em seus cérebros e os torna menos avessos ao risco. “Especificamente, os roedores tornam-se mais ativos, são mais propensos a explorar novas áreas, têm reflexos mais lentos e têm menos medo do cheiro de gatos ou urina de gato. Comportamento de busca de novidades, desinibição e aversão reduzida a situações arriscadas”

O próprio professor, que é um dos principais nomes nos cursos de empreendedorismo da IE Business School, classifica estas características como qualidades empreendedoras.

O Toxoplasma gondii é um parasita que pode ser transmitido de gatos para pessoas e se reproduz apenas no intestino dos felinos, tornando os gatos os principais hospedeiros. Segundo estimativas, infecta de 10% a 50% da população humana dependendo do país.

O professor lembra que esse parasita também afeta o cérebro das pessoas, modificando a produção e o metabolismo de neurotransmissores como dopamina e serotonina e de hormônios como a testosterona.

Há muitas evidências de que essas modificações podem causar alterações comportamentais não muito diferentes das observadas em roedores. Mesmo pessoas com infecções subclínicas, que representam a maioria dos casos, os sinais são de que as pessoas tornam-se mais extrovertidas, estão mais propensas a se envolver em acidentes de trânsito, entre outros comportamentos que sugerem uma maior tolerância ao risco. Além de também avaliarem o odor de gatos como mais agradável.

A partir daí, ele e os colegas passaram a avaliar uma possível conexão, seguindo centenas (ou milhares) de estudos com uma ampla variedade de espécies que apontam a relação entre o Toxoplasma gondii e mudanças psicológicas e comportamentais.

Embora estudar os efeitos do parasita em humanos seja complexo, o professor Daniel Lerner afirma que está construindo um caso sólido. Pesquisas anteriores já analisaram a saliva de cerca de 1.500 estudantes universitários e descobriu-se que aqueles que testaram positivo para o eram, em média, 1,4 vezes mais inclinados do que os outros a se formar em negócios, e quase duas vezes mais propensos a se concentrar ou especializar em gestão e empreendedorismo. Em outro estudo, com 200 profissionais, descobriu–se que pessoas infectadas com TG tinham 1,8 vezes mais chances de serem empreendedoras do que outras.

Sobre a diferença possível impacto do parasita empreendedor em homens e mulheres, o professor afirma que as descobertas gerais são semelhantes, mas é possível que o tamanho do efeito seja diferente.

Certamente, seria estúpido se infectar de própósito. O parasita causa doenças graves em imunossuprimidas e pode até ser fatal, apresenta riscos para bebês se a mãe é infectada durante a gravidez. Além disso, ele permanece no corpo para sempre, e evidências sugerem que pode causar problemas mentais muito sérios entre pessoas com infecções latentes, como depressão maníaca, esquizofrenia e demência.

“O desempenho individual dos infectados era bastante variável, também com fracassos, além do que os empreendedores infectados eram mais propensos a fundar seus negócios sozinhos. A persistência e a capacidade de envolver cofundadores são qualidades tipicamente importantes para um empreendedor”, lembra o pesquisador.

Apesar dos supostos benefícios, Lerner sinaliza que é arriscado manipular parasitas para fins de negócios, assim como genes. “A ciência mostra que o comportamento das pessoas é influenciado por inúmeras coisas. Quando se trata de genes e parasitas, estamos falando de tendências probabilísticas, quaisquer que sejam os efeitos, a infecção não é determinística”.

Para evitar o parasita, basta ficar longe de carne crua, limpar bem as frutas e vegetais e lavar as mãos (principalmente se entrar em contato com fezes de gatos ou de roedores).

Leia a entrevista publicada na Harvard Business Review na íntegra aqui

Leia a entrevista na íntegra aqui

 

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